Desde a criação do espelho d`água, cerca de 20% foi perdido, comprometendo o ecossistema.
A princípio imperceptíveis, bancos de areia tomam o Lago Paranoá e diminuem sua área navegável. O conselheiro do Comitê da Bacia Hidrográfica Paranoá e diretor de meio ambiente da Federação Náutica de Brasília, Luiz Rios, afirma que o lago já perdeu cerca de 20% de superfície. “A perda de volume para abastecimento e diluição dos esgotos tratados é muito maior, pois, para a areia subir e cobrir a lâmina d’água, quer dizer que o fundo já está totalmente bloqueado. O local fica praticamente inviável para qualquer ecossistema”, sentencia.
De acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb), dos braços que alimentam o lago, os do Riacho Fundo, próximo à Ponte das Garças, e o do Bananal, nas proximidades da Ponte do Braguetto, são os que sofrem mais intensamente com o processo de assoreamento.
“Antigamente, a gente ia da Ponte das Garças até a ponte do Zoológico de barco, agora é quase impossível”, relata o sargento Wilson, do 1º Pelotão Lacustre da Polícia Militar do DF. “Você pode ver que tem muita sujeira nas margens e vários bancos de areia se formando. Isso tudo é o assoreamento acontecendo”, aponta.
Ocupações
Segundo o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a causa seria “a ocupação das margens dos principais tributários do Lago Paranoá, especialmente os braços do Riacho Fundo e do Bananal”. O órgão afirma que “as ocupações irregulares e, consequentemente, o crescimento desordenado contribuíram para o processo de carreamento de partículas, que se acumularam no lago, diminuindo sua profundidade”.
Já a Caesb afirma não ter estudos sobre a perda de superfície do lago, mas credita o problema à “remoção de cobertura vegetal e movimentação de terra sem os cuidados específicos durante a execução de obras e a práticas agrícolas”.
De acordo com a companhia, o braço do Riacho Fundo, que pode ser tomado como principal exemplo para a situação geral, “vem sofrendo um processo acelerado de degradação”. Até 1988, teria perdido 345 m³, o equivalente a 15% do seu volume total, devido ao assoreamento iniciado após a criação do Paranoá, em 1960.
Desde então, esse número alcançou mais de 19%, o que representa 437 m³, até 2009, quando os últimos estudos teriam sido feitos. Para a Caesb, apesar de não ser um dado válido para todo o lago em si, “representa uma perda significativa ao seu uso para diluição e para navegação”.
Limpeza
A poluição do Lago Paranoá é um dos problemas enfrentados pelo espelho d’água. Nos últimos anos, diversos mutirões de limpeza têm sido feitos, muitos voluntários, para tentar frear a deterioração da área.
Usuários percebem as falhas
Para Maurício Carneiro de Albuquerque, economista de 54 anos e velejador nas horas vagas, o assoreamento não é apenas perceptível, como faz com que desconfie até mesmo da carta náutica do Distrito Federal. “Minha embarcação já encalhou em locais onde não era para acontecer esse tipo de coisa. É uma questão que requer cuidado dobrado de quem usa o lago para determinados propósitos”, alerta.
Na avaliação do velejador, é importante a definição de políticas públicas bem claras, a serem aplicadas constantemente, tendo em vista a preservação do Lago Paranoá. “Já vi gente passear de lancha e jogar latinhas de cerveja. Infelizmente, no geral, as pessoas não têm zelo e percepção de que todo mundo tem seu papel para fazer a coisa funcionar”, critica.
Descaso
Presidente da Federação Náutica, servidor público e também velejador, Roberto Renner, de 49 anos, também se sente vítima por conta do descaso com a bacia d’água. “A situação é drástica. As embarcações, hoje em dia, já não descem mais nos clubes em época de seca, pois o nível da água baixa. Temos competições de veleiros o ano todo e lugares onde você andava antes, hoje você encalha”, conta.
“Existem lugares no lago onde eu passava com um veleiro e hoje consigo caminhar com água na canela”, relata Roberto Renner. “É um perigo para a bacia, para as pessoas que usam”, complementa.
Ele diz confiar que o governo prestará mais atenção à questão, uma vez que o governador eleito, Rodrigo Rollemberg, seria “do Lago”, mas demonstrou urgência quanto à resolução do problema.
Consequência de obras
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica Paranoá, Jorge Enoch, explica que obras como a do Setor Noroeste e a própria construção de Águas Claras contribuíram para o assoreamento. Segundo ele, é um processo em que os sedimentos são carregados, geralmente pela força das chuvas, e depositados ao fundo da bacia, expandindo as margens e diminuindo a área navegável.
“Isso é um problema, porque você constrói o reservatório do lago para armazenar água e perde capacidade de fazê-lo devido à sedimentação. Você cria uma área mais pantanosa, exposta, e pode haver proliferação de mosquitos. Se houver lixo, pode dar mau cheiro”, explica Enoch.
“Pode impossibilitar, como aconteceu no Riacho Fundo, alguns píeres. Os barcos não têm mais como se aproximar da margem”, complementa.
Previsões nada animadoras
A reportagem do JBr. percorreu trechos do Lago Paranoá e flagrou diversas áreas assoreadas. Segundo o pelotão lacustre, os pontos críticos estão atrás da Estação de Tratamento da Caesb, nas proximidades da Ponte das Garças, e no chamado córrego Cabeça de Veado, entre as QLs 16 e 18 do Lago Sul. Próximo à Ponte do Bragueto, a equipe flagrou ainda uma galeria da companhia bastante entupida com terra e restos de obras, além de lixo.
A reportagem chegou a subir em ilhotas formadas apenas por sedimentos acumulados desde o fundo do lago. Lixo e outros resíduos permeavam a “praia”, e a polícia lacustre demonstrou preocupação com a possibilidade de perder ainda mais espaço para andar de barco na região.
“Daqui a uns três anos é capaz de toda essa área entre a Caesb e a ponte estar desse jeito, cheia de areia. Para tirar isso aqui, só fazendo dragagem”, explicou o sargento Wilson, citando um procedimento de escavar o fundo d’água para remover terra e areia.
Óleo
O lago já foi ameaçado por diferentes problemas, incluindo derramamento de óleo de caldeiras e despejo irregular de poluentes em suas águas. Jorge Enoch, do Comitê de Bacia Hidrográfica Paranoá, no entanto, acredita que o assoreamento pode ser uma das questões mais graves, pois muitas vezes passa despercebida.
“Outro problema é a drenagem urbana, que deve ser adequada, principalmente com a intenção de usar o lago como manancial de abastecimento público. É preciso de uma conscientização da população em relação ao lançamento clandestino de esgoto em águas pluviais”, avalia o presidente do comitê. “A população também tem papel fiscalizador”, completa.
Decreto questionado
A Procuradoria-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios ajuizou ontem ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 1º do Decreto 35.850/14, que alterou o Decreto 24.499/ 04. O texto “dispõe sobre o uso e ocupação do Lago Paranoá, de sua Área de Preservação Permanente e Entorno”.
A ação do Ministério Público sustenta que, com a edição do decreto, a área de preservação permanente relativa ao Lago Paranoá e seu entorno sofreu significativa redução, o que deverá impactar não somente na preservação ambiental, mas na captação de água.
Para o MP, o decreto excede o exercício do poder regulamentar do chefe do Poder Executivo e contraria expressamente o que dispõe o Código Florestal.
A edição do decreto também teria invadido a competência da União para editar normas gerais sobre a matéria e representou uma violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes. O MP também alerta que o Tribunal de Justiça tem impedido qualquer retrocesso no que diz respeito ao regime constitucional e legal da proteção ao Lago Paranoá.
Saiba mais
Em 2014, a Federação Náutica agendou 39 eventos realizados no Lago Paranoá. Apenas em novembro, época de chuvas e quando o nível da bacia aumenta, são 12 já marcados, alguns para acontecer no mesmo dia.
Segundo a Caesb, o Lago Paranoá foi formado a partir de 1959, quando foi concluída a Barragem do Paranoá. Foi criado com o objetivo de melhoria do microclima, geração de energia, paisagismo, recreação e lazer. Além disso, teria a função de receber os esgotos tratados das estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) Sul e Norte, bem como a drenagem urbana da Bacia.
Fonte: jornaldebrasilia.com.br